Ótima! A novela das sete “Volta Por Cima” termina de uma forma bastante consistente mostrando que com o elenco certo, protagonistas negros de respeito, resulta num produto de qualidade e bem acabado.

A quase um mês atrás, a coluna especial “Um Olhar Preto”, falou como a “Mania de Você” estava negligenciando o protagonismo preto ao colocar Gabz numa situação difícil sumindo com sua personagem nas as últimas semanas da novela, uma falta de respeito com o público, agradando apenas uma ala de fãs com um final esquecível sem um pingo de emoção.
Eis que a Globo está num momento de crise dramatúrgica, com novelas que oscilam entre sucesso mediano e completo fracassos, ao mesmo tempo que aposta na diversidade e no protagonismo de pessoas pretas diversificando seu elenco em praticamente todas as faixas de novela da emissora. Mesmo que sejam momentos que se entrelaçam, é bom deixar mais uma vez claro que a crise não tem nada a ver com o abraço a diversidade.
E isto fica muito claro na bem sucedida “Volta Por Cima”, novela das sete que chegou ao fim hoje, dia 26 de Abril, coincidentemente no dia do aniversário de 60 anos da Rede Globo. A trama criada e escrita por Claudia Couto conta a história de Madalena (Jessica Ellen) que busca no empreendedorismo o caminho para um futuro próspero, ao mesmo tempo que conhece João (Fabrício Boliveira), um homem trabalhador que também procura uma vida melhor.
A união dessas duas histórias em meio a uma tragédia, dá um pontapé inicial para uma novela que segue a onda de um folhetim tradicional. É se apoiando nisto que Claudia Couto traz humor, uma história urbana e popular com bons personagens, que apoiado na direção artística certeira de André Câmara, termina de uma forma bastante consistente se tornando um dos melhores exemplares da faixa da sete em muito anos.

O melhor de “Volta Por Cima” é saber trazer o popular de volta a casa dos brasileiros, com personagens em que o expectador consegue se identificar. É a mocinha trabalhadora, o mocinho justo, a vilã que adoramos odiar, no caso duas com Violeta (Isabel Teixeira) e Carla (Pri Helena), o bicheiro que não é bicheiro, mas um malandro de marca maior vivido por Osmar (Milhem Cortaz), além de um tributo inusitado ao universo dos doramas coreanos na trama de Tati (Bia Santana) e do misterioso Jin (Allan Jeon).
Após 180 capítulos, podemos dizer seguramente que esta novela que se passa na fictícia Vila Cambucá no subúrbio do Rio de Janeiro entregou tudo e mais um pouco, com tramas bem desenvolvidas, núcleos cômicos que funcionavam, além de sequências de ação de tirar o fôlego ao trazer a temática do jogo do bicho com brigas e disputas familiares, numa clara referência ao documentário “Vale o Escrito” que conta a história do jogo do bicho na cidade carioca.
Porém, o que mais me agradou em “Volta Por Cima” e é o foco desta coluna, o respeito da autora com o protagonismo preto da novela. Madalena e João são dois protagonistas que dá gosto de assistir e o melhor, são dois protagonistas negros que não carregam estereótipos, mas possuem personalidade, força e uma construção de respeito.

Madalena é daquelas mocinhas incríveis, não abaixa cabeça, faz tudo que pode para ajudar a mãe Doralice (Tereza Seiblitz), além da irmã Tatiana, mesmo que ambas entrem em conflitos constantes por questões sobre certo e errado, principalmente em relação ao tio trambiqueiro Osmar. Madá vive seu amor pleno com João, da forma mais linda possível, daqueles que dá gosto de assistir, mesmo que tenha que lidar com a rivalidade da vilã Carla.
E tudo isto, fica ainda melhor por que a atriz Jessica Ellen segura todas suas cenas conseguindo fazer de sua primeira oportunidade como protagonista de uma novela, ser o melhor papel da sua carreira até então. Por outro lado, temos um mocinho tradicional, o negro retinto João, ou Jão, que trabalha como fiscal numa empresa de ônibus, segue uma cartilha bom moço e tem sua vida mudada ao conhecer Madalena, o ator Fabrício Boliveira entrega carisma, beleza do negro doce e charme na medida.
O amor e a química de Madalena e Jão transborda na tela, vivido de uma forma plena e mostrando que pessoas pretas vivem intensamente, temos aqui o melhor casal preto da teledramaturgia desde Foguinho e Ellen em “Cobras e Lagartos”, com a diferença que aqui a dupla realmente é o foco principal da novela, mostrando um respeito imenso no texto de Couto que dá espaço para ambos crescerem e amadurecerem durante toda a novela.

Talvez as palavras que definam “Volta Por Cima” sejam respeito, carinho e integração, o texto funciona organicamente e trabalha seus personagens independente da cor e etnia, trazendo conflitos sociais, levantando questionamento sobre a índole humana, mas quando precisa trabalhar culturalmente personagens negros ou amarelos, estes ganham espaço da forma mais equilibrada possível, como a trama sobre anabolizantes vivida pelo persoangem Nando (João Gabriel D’Aleluia).
Desta forma, temos destaques muito bem vindos na novela, além de Ellen e Boliveira, vale menção a Milhem Cortaz (ótimo), Isabel Teixeira, Pri Helena (grata surpresa como vilã), Enrique Diaz, Drica Moraes, Amaury Lorenzo, Rodrigo Fagundes, Tereza Seiblitz e Isadora Cruz (engraçadíssima como Roxelle). Vale também menção a Ailton Graça, Valdineia Soriano, Juliana Alves, MV Bill e a jovem Bia Santana (uma boa surpresa) como personagens negros de destaque.
Uma última menção que vale um capítulo a parte aqui é a valorização dos veteranos, com retorno de Betty Faria, Tonico Pereira, José de Abreu e Lucinha Lins com personagens relevantes e bem desenvolvidos. É com este elenco forte, que “Volta Por Cima” termina sua trajetória trazendo momentos de pura emoção, capturando nossa atenção com momentos maravilhosos e ótimos ganchos.

O último capítulo carregua uma tensão inicial com sequestro de um ônibus pelo vilão Gerson (Enrique Diaz), fechando um ciclo, já que o primeiro capítulo também começa com uma sequência em um ônibus, mas no final como todo folhetim, termina bem e inclusive o nascimento de um bebê no meio da ação. Porém, acima de tudo, algo que me chamou a atenção nas últimas cenas, além do futuro dos personagens, foi a valorização do protagonismo de Madá e Jão, com nascimento do filho dos dois e um tributo aos atores negros de todas gerações em uma cena linda coroa uma novela que será lembrada como uma das melhores desta década.
Muito se fala em como escrever para personagens negros e como valorizar nossa negritude, mas o segredo é este, saber mostrar o que nós somos sem cair no estereotipo, não ignorar os problemas sociais e preconceitos que ainda estão por ai, mas mostrar outras vertentes que nos fazem que nós somos. E o texto de Claudia Couto parece ter encontrado este caminho ao fazer Madalena uma protagonista maravilhosa, que dá tapa na cara de vilã e vai a luta pelos seus sonhos. Que faz Jão querer algo melhor na vida e faz enxergar que o caminho é mais árduo para quem tem a pele escura.
Tudo isto é abordado, tudo isto é mostrado, e ainda assim temos tempo de assistir o amor preto entre os dois personagens da uma forma linda, seja em cenas românticas, seja dançando juntos num baile charme, seja dando um tempo após um conflito na relação, seja lutando para ficar juntos mesmo com as tramoias de uma vilã tentando separá-los, e no final das contas, tudo isto serve de enredo para que possamos realmente abraçar estes personagens e torcer por eles.

No final das contas, “Volta Por Cima” parece ter chegado no futuro, ao saber mostrar que um elenco diverso é a força de um sucesso, além também de valorizar talentos de etnias diferentes, de idades diferentes, parece também ter encontra a fórmula de se aproximar do expectador de agora. Claudia Couto e seus colaboradores conseguem de uma forma primorosa conduzir esta novela que emocionou do começo ao fim entregando aquilo que queremos ver, aquilo que necessitamos ver. Por mais Madalenas e Joãos na teledramaturgia, para que possamos finalmente ter o protagonismo preto marcado na história da TV.
Gostou? Veja o teaser de “Volta Por Cima” e diga nos comentários o que achou da novela.
Abertura da novela com Alcione e Ludmilla cantando “Volta Por Cima”.

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