Juventude preta interrompida! Quando o cinema de arte encontra o aspecto documental pelas mãos do diretor do RaMell Ross, resulta em uma das obras mais visualmente lindas e impactantes dos últimos anos.
| 2 Indicações ao Oscar 2025 |
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| Melhor Filme |
| Melhor Roteiro Adaptado – RaMell Ross e Joslyn Barnes |

Um dos aspectos mais triste e revoltantes quando o racismo é retratado na tela de algum filme ou série, é a forma como os brancos desumanizam pessoas negras seja fisicamente ou intelectualmente. Não existe forma mais cruel do que animalizar e reduzir pessoas a seres irracionais incapazes de racionar, por isso eu digo e repito, o racismo é uma das coisas mais vis que existe na humanidade e deve ser combatido a todo custo.
Este desabafo serve exatamente para falar do longa indicado ao Oscars 2025, “O Reformatório Nickel” (Nickel Boys, 2024), a produção da Plan B e Orion Pictures com distribuição da Amazon MGM Studios é uma adaptação do livro vencedor do Pulitzer de mesmo nome do autor Colson Whitehead, também responsável por outra grande obra, “Underground Railroad”, que ganhou adaptação em forma de série pelas mãos do cineasta Barry Jenkins (leia a crítica da minissérie aqui).
A trama dirigida por RaMell Ross (Hale County This Morning, This Evening) conta a história do jovem Elwood (Ethan Herisse) com espirito de ativista e um futuro promissor pela frente por conta do progresso na escola, tem sua vida interrompida após ser acusado por um crime que não cometeu por estar no lugar errado na hora errada. O garoto de 17 anos é levado para o reformatório chamado de “Academia Nickel”, para menores de idade.

No local Elwood encontra o jovem Turner (Brandon Wilson), que o ajuda a conviver num lugar onde as piores atrocidades acontecem com garotos negros enquanto outros garotos brancos vivendo no prédio ao lado são tratados de uma forma completamente diferente e mais humana.
O grande mérito de “O Reformatório Nickel” é a forma como a narrativa é desenvolvida, o diretor RaMell Ross parece tão a vontade que cria um enredo que mistura um aspecto cinematográfico e documental que vão se misturando de tal forma que em alguns momentos é quase impossível saber qual é qual. Existe uma sensibilidade e delicadeza como a história é conduzida desde o primeiro take até o último frame.
O longa consegue ser visualmente atraente com uma fotografia das mais lindas que você vai ver nestes últimos anos, porém não deve agradar uma audiência imediatista, afinal são quase 2 horas e 20 minutos de um filme cadenciado que conta a jornada da infância até certo ponto de Elwood que começa no começo dos anos 60 no regime de segregação das leis Jim Crow ao mesmo tempo que movimentos pelos direitos civis começam a ganhar força nos EUA.

Porém é um deleite para cinéfilos e todos os amantes de cinema que gostam de um cinema de arte de qualidade que vai nos ganhando pela destreza da direção de Ross e o brilhantismo da edição de Nicholas Monsour (Não! Não Olhe) que vai tecendo a jornada de Elwood, seu sofrimento na academia Nickel e a angústia de sua avó Hattie (Aunjanue Ellis-Taylor), que tenta a todo custo libertar o neto.
O melhor de “O Reformatório Nickel” é não usar o tema sobre racismo e abusos de forma planfetária gratuitamente como algumas obras fazem, ao invés disto o filme serve como peça documental (mostrando inclusive recortes reais de imagens de vítimas durante momentos de tortura dos personagens) para revelar as atrocidades da Academia Nickel pelos olhos de jovens que simplesmente são abandonados a própria sorte e são obrigados a trabalhar como escravos ganhando como recompensa espancamentos e abusos, muitos deles sexuais inflando ainda mais seus traumas.
O longa não é uma trama fácil, mas a forma como Ross conta a história em primeira pessoa mudando a perspectiva de Elwood para Turner quando necessário cria um elo de intimidade e tensão que gera uma imersão com público de forma imediata. Existe um incomodo e revolta aqui que vai crescendo nos levando a crer que os garotos nunca sairiam vivos daquele lugar infernal, que tem a falsa sensação de um ambiente convidativo em alguns momentos.

Photo credit: Courtesy of Orion Pictures / © 2024 Amazon Content Services LLC. All Rights Reserved.
A forma como o filme usa seu aspecto documental para misturar a história de Elwood entrelaçando-se à história norte americana com Martin Luther King Jr liderando vozes na luta pelos direitos civis, enquanto o homem se prepara para chegar a Lua, cria um paralelo interessante sobre falso progressismo que de um lado mostra a humanidade avançando tecnologicamente ao mesmo tempo que ainda trata seus iguais das formas mais atrozes e animalescas possíveis representado por jovens presos num lugar horrendo.
É desta forma que “O Reformatório Nickel” se transforma em um dos filmes mais importantes da história americana, mas também um dos mais importantes da história do cinema, não só pela forma como é estruturado, mas pelo roteiro brilhante e pelo apuro técnico que mistura o real e o abstrato usando certos aspectos de fantasia como válvula de escape de uma realidade aterrorizante de uma forma tão sufocante mente bem efetiva que é impossível não terminar o filme com um nó na garganta ou com olhos marejados.
As atuações ajudam ainda mais a trazer este sentimento, primeiro o garoto Ethan Herisse (A Sociedade Americana dos Negros Mágicos) que entrega ternura, inteligência e uma carapaça firme para seu personagem Elwood, enquanto o jovem Brandon Wilson (O Caminho de Volta) no papel do sensível e esperto Turner, que vê na amizade com El, a forma de sobreviver a todas as adversidades do reformatório, além de ganhar um arco final transformador. E por último vale o destaque para atuação de Aunjanue Ellis-Taylor (Origin) em outra performance magnífica mesmo com pouco tempo de tela.

Por tudo que foi comentado, o drama “O Reformatório Nickel” é um grande filme, daqueles que merecem ser assistidos e apreciados, ainda que seja triste, ainda que seja melancólico e ainda que seja pesado em muitos aspectos, não só por escancarar o racismo em suas piores formas, mas por ser necessário e por mostrar que muitas instituições governamentais foram responsáveis pela morte e desaparecimento de vários jovens negros durante o regime de segregação e a interrupção de várias outras vidas pretas no processo, além de escancarar um problema carcerário que perpetua a décadas nos EUA e que aqui ganham uma nova vertente em um dos longas mais importantes já lançados nesta década.

“Filmado de forma sensível e impactante misturando o documental com o cinematográfico. “O Reformatório Nickel” é o cinema em seu melhor aspecto capaz de nos fazer sentir uma história triste, melancólica e poderosa dirigido de forma brilharem por RaMell Ross” – Certificado Excelência Negra
O longa chega no Prime Video a partir do dia 27 de Fevereiro.
Gostou? Veja o trailer abaixo e comente se já conferiu o filme.

Um comentário sobre ““O Reformatório Nickel” (Nickel Boys) – Crítica”