O Brasil da ficção científica. O longa dirigido por Afonso Boyart traz a história de uma família negra de atletas, a rivalidade entre duas irmãs e uma conspiração num caldeirão de narrativas ambientadas num futuro próximo.

O potencial do cinema nacional é imenso e graças a Deus, vivemos uma época boa com uma boa safra de filmes brasileiros que estão começando a receber maior atenção do público. Porém ainda existe uma incógnita quando falamos de streaming, onde poucas produções recebem o investimento devido sem perder a cara de Brasil, ganhando um verniz hollywoodiano que na maioria das vezes não agrada.
Neste ponto tudo se resume a liberdade criativa, e é neste ponto que a nova produção da Netflix, Biônicos (2024), parece ter se apoiado para contar a trama que se passa num Brasil de 2035, onde pessoas com membros robóticos chamados de “Biônicos” dominam os esportes, superando humanos normais com uma tecnologia bastante avançada. A história ganha contornos dramáticos ao focar na rivalidade entre duas irmãs em meio a uma grande conspiração que começa a tornar forma em torno desta disputa.
É claro que a direção de Afonso Poyart (Ilha de Ferro) faz uma grande diferença para que essa premissa funcione e o futuro distópico ganhe vida, explorando um gênero pouco aprofundado no cinema brasileiro. A ambientação é o ponto que mais chama atenção no longa, com efeitos visuais decentes, uma boa fotografia, que mesmo carecendo de aspecto mais cinematográfico, consegue passar a sensação de que estamos diante de um futuro mais avançado misturando a arquitetura da metrópole paulistana com o melhor do estilo cyberpunk.

O roteiro escrito a cinco mãos incluindo Poyart, gira em torno da protagonista Maria Santos (Jessica Córes), atleta esforçada que acaba ficando obsoleta com avanço da tecnologia onde as próteses robóticas passam a ter atenção nos jogos olímpicos mostrando um mundo dominado por híbridos. O legal aqui é mostrar a inversão de papéis no campo esportivo, onde humanos com deficiência passam a ser os protagonistas, com os humanos não deficientes ficando cada vez mais coadjuvantes aos olhos dos expectadores.
Por conta desta nova realidade, intensifica a rivalidade dentro da família Santos, com a irmã mais nova de Maria, Gabriela (Gabz), que utiliza prótese cibernética na perna e se destaca por ser uma das melhores competidoras desta nova geração de “biônicos”, como são chamados. A trama ganha contornos policiais num arco que corre em paralelo com o misterioso Heitor Riche (Bruno Gagliasso), que após perder o irmão mais novo (participação especial de Klebber Toledo), se oferece para ajudar Maria em troca de favores para atingir seus próprios objetivos.
Existe aqui três pontos que tornam “Biônicos” um longa promissor, o primeiro é ter uma família negra no centro da narrativa, da forma mais orgânica possível, pois além das irmãs Maria e Gabi, o irmão do meio Gus (Christian Malheiros) e Paulo Santos (Nill Marcondes) completam um seio familiar carregado de conflitos, mas que tem como foco o sucesso de duas atletas de destaque que carregam o legado da família, sem a presença de estereótipos raciais que normalmente povoam alguns filmes brasileiros.

O segundo ponto é a forma como o ritmo e a ambientação dão um tom de thriller a uma trama que possui diversos elementos interessantes a serem explorados, mesmo com a limitação orçamentária evidenciada em tela, Poyart parece entender sua ficção científica trazendo um estilo próprio em boas cenas de ação, que são pontuais é verdade, mas claramente mostram o talento do diretor de “2 Coelhos” em imprimir sua assinatura na história.
O terceiro ponto são os diversos arcos que se formam enriquecendo uma mitologia em expansão, o que acaba revelando também um dos pontos fracos do filme, que não consegue se aprofundar em determinados aspectos da própria narrativa. Enquanto a trama da família Santos funciona bem quando entrelaçada a trama de Heitor, a terceira via que traz a investigação do detetive Guerra (Danton Mello) após o acidente que leva Maria a perder um dos membros, parece solta do resto da história, principalmente na primeira metade.
O fato é que “Biônicos” oscila muito entre a distopia bacanuda com bons efeitos visuais das cenas com os atores usando próteses robóticas que dão um ar de filme esportivo, do aspecto de thriller policial que ajuda a narrativa a se mover pouco. Outra ressalva a salientar, é a trama de Heitor, que é pouco desenvolvida tornando suas motivações muito frágeis do vilão que se apresenta na metade final.

Ainda assim, o longa tem seus momentos positivos, apresentando um dinamismo bem vindo em um filme que não é monótono em nenhum momento. Talvez seja pelo comprometimento do elenco, ainda que os diálogos não sejam tão inspirados, Jessica Córes (Cidade Invisível) é uma protagonista fascinante, uma personagem cinza que vai fazer o expectador torcer e sentir ódio. A atriz Gabz (Um Ano Inesquecível: Primavera) manda bem no papel conseguindo trazer um ar de mocinha forte que está em constante conflito com a irmã mais velha.
O resto do elenco não faz feio, Bruno Gagliasso (Marighella) no papel de Heitor, é o típico vilão conhecido, onde o ator consegue felizmente não ser caricato. Este não é o melhor papel do Christian Malheiros (Sintonia), mas o ator não compromete, entregando o que se pede do personagem. Os atores Danton Mello, Erika Januza, Nill Marcondes, Miguel Fallabella e Paulo Vilhena, ajudam a dar peso em atuações dentro do normal.
De uma forma geral, “Biônicos” é um bom filme, mas longe de ser espetacular, porém ganha pontos por comprometer com a própria premissa, conseguindo trazer uma narrativa que senão é brilhante, ao menos possui elementos que funcionam dentro da cartilha do cinema, mistério, ação e reviravoltas. Para um gênero pouco explorado no Brasil, o longa tenta sair fora da zona de conforto para entregar algo diferente, ainda que tenha suas limitações e uma falta de aprofundamento em questões sociais pertinentes, o filme ganha pontos por realmente parecer uma distopia brasileira, com efeitos razoáveis, bons atores e a certeza de que com mais recursos, o cinema nacional pode surpreender positivamente em qualquer gênero.
Gostou? Veja o trailer abaixo e comente sobre o que achou do filme.


4 comentários sobre ““Biônicos” – Crítica”