Imprevisibilidade orquestrada. A segunda temporada de uma das séries mais violentas da atualidade quase se perde em meio a um caos narrativo, mas acaba compensando com boas cenas de ação e ótimas reviravoltas.
Spoilers Pesados Abaixo

Em meados de 2020 a primeira temporada de “Gangs of London” estreou de uma forma inesperada causando um grande impacto pela narrativa bem estruturada, com personagens bem definidos e um universo perigoso e rico transformando uma Londres numa guerra campal entre gangues de diversas nacionalidades controlando todos os pontos da capital britânica numa narrativa que surpreendia pelas ótimas cenas de ação e as excelentes reviravoltas que a tornavam uma das melhores da época até então.
A série da Sky Digital e que está em exibição no streaming da Lionsgate Plus e da Globoplay criada pela dupla Gareth Evans e Matt Flannery responsável pelo mega sucesso “Operação Invasão” (The Raid) era visceral ao contar a saga das famílias Wallace e Dumani após a morte do líder da organização que ajudou a catapultar uma guerra extrema pelo controle da cidade levando a uma jornada de nove eletrizantes episódios que terminaram num gancho fantástico.
Seguindo esta linha, a série retornou no final de 2022 para sua segunda temporada cercada de expectativas, ainda mais após o explosivo final de temporada que lidava com a morte precoce de Sean Wallace (Joe Cole) pela mãos do aliado Elliot Finch (Sope Dirisu) numa das maiores reviravoltas já vista na história da TV, as coisas ficavam ainda melhor com ascensão de Ed Dumani (Lucian Msamati) e seu filho Alexander (Paapa Essiedu) no comando das famílias restantes recebendo ordem dos misteriosos investidores.

A grande sacada do seriado foi mostrar que Marian Wallace (Michelle Fairley) estava viva, dando a entender que seria por onde este novo ano iria seguir. O plano de vingança da matriarca dos Wallace seria algo interessante de acompanhar quando a narrativa retornasse e foi a partir deste ponto que o primeiro episódio da temporada (2×01) começa a tomar forma, cheio de possibilidades e um caminho totalmente aberto.
A primeira temporada teve a vantagem de ter Gareth Evans como showrunner, porém nesta segunda o cineasta Corin Hardy (A Freira) assumiu o comando da série e devo dizer que isso foi crucial para que o roteiro caísse um pouco de qualidade em determinados momentos, veja bem, a série continua boa, mostrando a vulnerabilidade das famílias e o tormento de Elliot se ver na mão dos investidores, tudo isso em meio a chegada de outro vilão que emerge para colocar as coisas nos eixos se tornando a grande ameaça da temporada, seu nome é Koba (Waleed Zuaiter).
A presença do carrasco dos investidores a solta pelas ruas de Londres, é suficiente para deixar os grandes jogadores Ed Dumani, Asif Afridi (Asif Raza Mir) e Luan Dushaj (Orli Shuka) presos numa coleira invisível que começa a ruir quando Koba começa a caçar traidores dentro da organização. O episódio escrito a três mãos por Tom Butterworth, Gareth Evans e Matt Flannery, mantém a estrutura que deu certo na temporada anterior e adiciona novos elementos que ajudam a trama avançar, fechando com uma chocante morte no final que acaba por potencializar todo o resto da temporada.

Spoilers Pesados Abaixo
A partir de agora falaremos com mais spoilers da temporada em si, se você não assistiu para agora e pule para o final. Ok, a partir do segundo episódio (2×02), a série começa a mostrar o início de uma guerra civil mantendo sempre o foco em Elliot e Koba, com algumas subtramas se desenvolvendo em paralelo, como a vingança de Marian, além da traição de Luan que acaba tomando foco nos episódios iniciais trazendo mais dramaticidade e também mostrando que a série não está para brincadeiras.
A maior qualidade de “Gangs of London” é sua capacidade de criar uma tensão e suspense que ajudam atiçar a curiosidade dos expectadores que aqui acontece do início ao fim da temporada, sem falar é claro nas sequências de ação cheias de uma violência gráfica absurda e um trabalho de direção primorosa. Os três primeiros episódios são envolventes, muito bem dosados, com reviravoltas e ganchos mais surpreendentes a cada nova cena, inclusive a sequência do tiroteio com helicóptero destruindo o refúgio dos Wallace é tensão pura no episódio 3 (2×03).
A temporada começa a mudar aos poucos a partir dos episódios 2×04 e 2×05, quando o falecido Sean Wallace retorna dos mortos numa sequência surpreendente dando início a tão esperada guerra com todas as cartas sendo mostradas pelo roteiro colocando Sean, Billy (Brian Vernel), Marian e Lale (Narges Rashidi) de um lado, contra Koba e Asif do outro, com Luan e Ed correndo por fora, além de Elliot tentando salvar seu pai enquanto tenta se livrar dos investidores de uma vez por toda.

Até este ponto a temporada surpreende, parece saber exatamente no que quer focar, porém ao colocar ascensão de Sean no cerne da narrativa, o roteiro cria um problema para si mesmo, onde a previsibilidade começa a rondar a narrativa, afinal a sensação era que a série não tinha medo de matar personagens, mas ao trazer um personagem importante de volta, outros personagens perdem relevância e espaço, mesmo que a motivação para este retorno tenham algum sentido. A sensação que tenho é que a surpresa tomou lugar ao caos a partir do momento que transformaram o protagonista numa máquina de matar sem alma e apenas movido por ganância.
A partir deste ponto, a série entra na segunda metade da temporada de uma forma um tanto quanto bagunçada, numa sequência de matanças e mortes numa escalada que intensifica a guerra em Londres mostrando que a série acaba saindo dos eixos deixando evidente seu lado negativo ao exagerar na violência inclusive perdendo o sentido em alguns momentos, isso fica muito evidente com decisões de roteiro que acabam banalizando a luta pelo poder entre os protagonistas onde ninguém possui uma índole minimamente humana capaz de inclusive de causar empatia no expectador, todos transitando numa área cinza, não existe um personagem que você escolha para torcer, existe apenas circunstâncias que desejamos um sucesso momentâneo e que no momento seguinte se esvai, pois estamos os odiando novamente.
Inclusive estas características deixam “Gangs of London” mais próxima ainda do que “Game of Thrones” foi, onde ninguém é confiável, onde traições e reviravoltas podem ocorrer a de uma hora para outra, uma delas por acaso é uma das mais chocantes da série e ocorre no episódio 2×06, focado em Lale cara a cara com Asif, seu maior inimigo. O final deste episódio apenas evidencia que a série não está para brincadeira e que a qualquer momento alguém pode morrer.

É nesse ponto que as atuações acabam tendo mais destaque como Sope Dirisu (O Que Ficou Para Trás) que de longe tem o melhor desenvolvimento de personagem, Orli Shuka (War Machine) que surpreendeu com um arco dramático no papel o mafioso Luan e Waleed Zuaiter (The Spy) no papel de Koba, um vilão frio, cruel e calculista que tocou o terror em boa parte da temporada. Outros atores que merecem menção são Brian Vernel (Dunkirk), Narges Rashidi (Sob a Sombra) e Lucian Msamati (A Grande Mentira), todos com papéis menores, mas que sobressaem em momentos chaves conseguindo ajudar a elevar a ação ou a dramaticidade do seriado. Michelle Fairley (Game of Thrones) tinha a chance de roubar a cena nesta temporada, ainda acho sua personagem excelente, mas por conta do retorno de Sean a narrativa sua personagem perde muito espaço, conseguindo mudar isto apenas próximo do final.
De uma forma geral, “Gangs of London” retorna para sua temporada entregando tudo aquilo que se previa e aumentando a adrenalina a níveis poucas vezes visto na TV, ao tentar surpreender em determinados momentos, acaba perdendo o foco e bagunça uma estrutura que só não sucumbe a sua própria ambição, pois os episódios 2×07 e 2×08 conseguem restabelecer a tempo de fechar a temporada com um nota bem alta, colocando Sean e Elliot frente-a-frente, além de unir todas as linhas narrativas num desfecho que promete mostrar uma nova ordem de poder na cidade de Londres.
Sendo assim, o seriado pode até não ter conseguido entregar uma segunda temporada melhor do que a impecável primeira, mas ao menos consegue entreter do começo ao fim, com um ritmo alucinante, sabendo dosar sequências de ação espetaculares com as mortes mais cruéis e criativas do gênero, estabelecendo mais uma vez com um dos melhores seriados de máfia da atualidade, modernizando os thrillers criminais de uma forma empolgante e furiosa, num jogo de xadrez que define um universo que não existe mocinhos ou bandidos, mas personagens em busca de poder, controle e vingança, talvez seja por ai que a série consiga trilhar melhor se tornando uma das melhores e mais imprevisíveis séries da atualidade.
Gostou? Veja o trailer abaixo e comente sobre o que achou da temporada.

