Ação desenfreada, visual inchado e a vontade deixar a marca no universo DC, transforma o longa protagonizado por Dwayne Johnson numa colcha de retalhos com resultado abaixo do esperado.

O universo DC no cinema sempre será uma incógnita até mesmo para os fãs que amam a mitologia e seus super-heróis. A verdade é que a Warner nunca conseguiu replicar o que deu certo na Marvel e ao tentar criar algo similar, falhou em estabelecer um universo compartilhado que englobava Batman, Superman, Mulher Maravilha, Flash, dentre outros que foram surgindo sem muita personalidade, sem muito desenvolvimento e obtendo sucesso em apenas algumas raras exceções como longas como “Aquaman” e no premiado “Coringa”.
A reformulação buscada incessantemente resultou num conceito de que os filmes da DC deveriam ser histórias isoladas com começo, meio e fim, com algumas pequenas ligações para no futuro poder fazer uma ponte entre produções da forma certa. E é aí que entra a nova super produção “Adão Negro” (Black Adam, 2022), protagonizada por Dwayne Johnson a.k.a The Rock (Alerta Vermelho), servindo como nova tentativa da Warner/DC de dar um pontapé inicial em uma nova saga para seu universo.
O longa dirigido por Jaume Collet-Serra (Jungle Cruise) conta a história do anti-herói da DC, conhecido por ser o principal vilão de Shazam nas HQs e um personagem tão poderoso que rivaliza com Superman, mas que aqui ganha uma trama repaginada mesmo que mantenha ligações com sua origem original. A premissa se inicia 5000 anos depois do Adão Negro receber poderes dos deuses egípcios e ser preso após abusar de suas habilidades, sendo libertado de sua tumba por uma jovem exploradora que busca uma coroa misteriosa.

O roteiro escrito a três mãos por Adam Sztykiel (Rampage: Destruição Total), Rory Haines (O Mauritano) e Sohrab Noshirvani (O Mauritano) é bastante genérico em sua essência e não sai muito disso, mesmo que a trama tenha uma história interessante se passando na terra fictícia de Khandaq, uma cidade que foi escravizada desde os tempos longínquos e que atualmente sofre com regime opressor de soldados estrangeiros que desejam os recursos daquela terra, mas que tem esperança de um dia serem libertados como ocorreu no passado com Teth Adam salvando o povo da tirania do rei Akenamon.
O maior problema que vejo em “Adão Negro” é não conseguir equilibrar o papel do personagem título entre vilão e mocinho, desta forma o anti-herói libertado que deveria ser ameaçador, acaba tendo um tom amenizado em prol construir uma jornada de redenção ao longo do filme. E isso tudo acontece porque The Rock é o protagonista, totalmente deslocado no papel, o ator ainda tem presença e carisma, seu Adão Negro inicialmente tem um tom intimidador, mas consegue ter uma espécie de humanização quando o roteiro explora seu passado.
E seguindo nesta linha, a direção de Jaume tenta explorar o conceito do que é ser vilão e do que é ser herói, durante boa parte do tempo funciona, principalmente quando Adão Negro cruza o caminho da Sociedade da Justiça, grupo de super-heróis liderado por Gavião Negro (Aldis Hodge) e que tem ainda Dr Fate (Pierce Brosnan) e os iniciantes Atom (Noah Centineo) e Ciclone (Quintessa Swindell), recrutados por Amanda Waller (Viola Davis) para deter esta possível ameaça, mas que na visão dos cidadãos de Khandaq por ser a única salvação contra a tirania que sofreram durante anos.

O fato é que o filme não consegue manter o desenvolvimento deste conceito que é fisicamente representado por Adrianna Tomaz (Sarah Shahi), a exploradora que liberta o anti-herói e seu filho Amon Tomaz (Bodhi Sabon), um fã das histórias do Adão Negro, herói da cidade. O arco que segue esses dois personagens é o mais chato do filme, pois falta carisma e aprofundamento das ideias estabelecidas, que aqui se perdem em meio a ação e humor duvidoso que em determinado momento da história sobrepõe qualquer tentativa de contar uma boa história.
Desta forma a escolha de Jaume Collet-Serra parecia ser acertada, porque o diretor estava acostumado com blockbusters, inclusive “Jungle Cruise”, aventura estravagante protagonizado por The Rock tinha sido seu último trabalho, porém aqui o mesmo entrega um de seus trabalhos mais derivativos, com uma direção que lembra a de Zack Snyder, com excesso de câmera lenta nas cenas de ação e com uma trilha sonora que as vezes não encaixa, ainda assim Serra ao menos sabe dirigir algumas boas sequência de porradaria entre Adão Negro e Gavião Negro, além de outras muito boas envolvendo a Sociedade da Justiça.
A verdade é que “Adão Negro” é uma super produção inchada de 180 milhões de dólares que é carregada pelo espetáculo visual com sequências de lutas que inicialmente impressionam e entretém, mas a falta de uma trama mais coesa e melhor desenvolvida deixa o filme bastante previsível mesmo que tente trazer reviravoltas inusitadas perto do final. Falta ao longa a vontade de entregar mais do que estamos acostumados, existe bons conceitos na trama principalmente um teor crítico as ocupações paramilitares do ocidente em países instáveis do oriente médio, mas infelizmente tratados de forma bastante superficial pelo roteiro, que está mais preocupado em criar mais uma franquia para guiar seu danoso universo compartilhado (sim, estou falando da cena pós crédito).

O elenco é razoável, porém o destaque fica por conta mesmo de Dwayne Johnson no papel principal, mesmo com as ressalvas já citadas anteriormente, porém acredito que o ator é ofuscado pelas boas atuações de Aldis Hodge (Uma Noite Em Miami) no papel do Gavião Negro, que é de longe o super-herói mais bacana em tela (podia rolar um filme solo do personagem), e Pierce Brosnan (007 – Um Novo Dia Para Morrer) no papel do Dr. Fate, que apesar irritar pelas inúmeras vezes que tira o elmo, o personagem ainda é um dos super-heróis da DC com melhor impacto visual.
Infelizmente Noah Centíneo (Barraca do Beijo) e Quintessa Swindell (Viajantes – Instinto e Desejo) são desperdícios de bons personagens que não tem um mínimo de desenvolvimento. A verdade é que a Sociedade da Justiça é uma equipe muito significativa nos quadrinhos que já teve várias versões na TV em seriados como Smallville, Arrow dentro do Arrowverse e recentemente no seriado Stargirl, mas que aqui merecia um espaço maior e se possível um filme solo, tamanha sua importância dentro do lore da DC.
No geral, “Adão Negro” tinha tudo para ser uma aventura descompromissada e diferente ao trazer o protagonismo negro de The Rock no papel de um semi-deus poderoso que precisa travar uma batalha interna e moral entre fazer o certo, ou sucumbir a sua própria fúria, mas o filme não consegue explorar este conceito de uma forma satisfatória, preferindo entregar uma narrativa superficial, visualmente bonita, com boas cenas de ação, porém carecendo de um vilão melhor e um equilíbrio narrativo que no final das contas se torna um amontoado de mais do mesmo, podendo assim comprometer o início de mais uma saga da DC Comics no cinema.
Gostou da crítica? Veja o trailer e comente abaixo se já assistiu ao filme.


