“Marighella” – Crítica

Apesar dos diálogos clichês, frases de efeito fora de hora e do desenvolvimento de personagens aquém, este longa nacional ainda é necessário por conta da temática.

Fonte: O2 Filmes e Globo Filmes

A ditadura militar foi um dos regimes mais cruéis e insanos da história do Brasil, ponto. Não houve revolução, não houve contenção de danos, houve golpe, repressão e perda da liberdade em um dos capítulos mais sombrios da história brasileira. Foram 21 anos de uma ditadura que torturou, matou e destruiu tudo que conhecíamos sobre democracia, isso é um fato, registrado na história e com diversas evidências verificas, então não existe argumento ou interpretação diferente desta.

Seguindo esta linha, o cinema sempre retratou o regime ditatorial brasileiro de diversas formas, sendo um dos mais emblemáticos o longa “O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias”, vira e mexe, o audiovisual brasileiro tenta mostrar como foi esse período terrível de nossa história, sendo que o longa “Marighella (2019)” é a obra mais recente a mostrar como a ditadura militar brasileira era cruel com opositores e como repreendia quem queria expressar suas ideias em público.

O filme é uma adaptação do livro de Mário Magalhães, “Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, dirigido por Wagner Moura (Narcos) e produzido pela O2 Filmes e Globo Filmes, esta obra traz a biografia do guerrilheiro de esquerda que lutou com unhas e dentes contra ditadura se tornando em um determinado período o inimigo número um do regime devido sua ampla influência e capacidade de abrir os olhos do povo brasileiro em relação aos militares e mostrar que estávamos vivenciando a perda de nossa liberdade e democracia.

Fonte: O2 Filmes e Globo Filmes

A narrativa foca no período de 1969, ano decisivo para Marighella e seus companheiros na luta contra o regime, ao decidir tomar ações mais drásticas para tentar uma revolução armada e mais radicalizada, começa a sofrer represália dos militares numa ação que levaria a derrocada do guerrilheiro de sua “Ação Libertadora Nacional”, uma organização com moldes revolucionários.

O roteiro escrito por Felipe Braga e o próprio Moura decidi não seguir uma estrutura linear, começando de um determinado ponto no presente de 1969 para logo depois voltar alguns anos antes para mostrar um pouco do período em que Carlos Marighella (Seu Jorge) começou sua luta e fundou seu grupo revolucionário com a ajuda de seus amigos Almir (Luiz Carlos Vasconcelos) e Jorge Salles (Herson Capri), além de mostrar a ligação com filho e a segunda esposa Clara (Adriana Esteves) numa tentativa da escrita de humanizar esse importante patriota.

O filme “Marighella” não é ruim, mas existe vários problemas nele que o impedem de ser algo maior e marcante. O primeiro problema para mim se encontra exatamente no roteiro, falta bastante desenvolvimento de personagens, apesar de ver que Braga e Moura se dedicam um bom tempo tentando moldar Carlos como uma figura sensata, politizada, pai de família que quer livrar o Brasil do regime ditatorial, falta mais polidez em suas motivações ou cenas que mostrem melhor seu caráter e seu senso de justiça.

Fonte: O2 Filmes e Globo Filmes

Outro problema vem na questão dos atores coadjuvantes, apesar de ganharem nomes e um funções, você não vai saber por este filme o que motiva esses personagens a lutarem e arriscarem por sua vida por uma guerra que parece difícil de ser vencida. Ao focar primariamente na luta armada, revolucionários versus militares, o roteiro esquece de aprofundar nesses personagens para que o público realmente se apegue a mudança que estão tentando realizar e o impacto almejam alcançar desafiando estas forças repressoras.

O mesmo acontece com as vozes do regime, que apesar de mostrar de forma assertiva a forte influência dos EUA em alimentar a ditatura militar brasileira endossando as atrocidades cometidas dentro do país contra os opositores de esquerda os classificando como “terroristas”, o longa não dá nome ou voz a esses personagens, concentrando apenas na figura do líder e agente do DOPs (agência de repressão militar), Sérgio Paranhos Fleury (Bruno Gagliasso) para representar as forças militares.

Acredito que é notável a tentativa de Moura de trazer uma narrativa mais simples para atingir uma parte maior do público ao apostar no jogo de gato e rato entre revolucionários e ditadores, mas sua direção carece de mais personalidade e foco, ao tentar se mostrar no controle do drama, o ator diretor se perde ao manter o filme nos eixos durantes suas longas duas horas e meia de projeção, soando um pouco irregular. Ainda assim, acredito que a narrativa cresce muito nas cenas mais tensas e com ação, o diretor consegue trazer certa urgência e tensão quando precisa mostrar de forma crua e direta os horrores da ditadura.

Fonte: O2 Filmes e Globo Filmes

Talvez o mais complicado para um filme como “Marighella” é tentar contar a história de uma forma equilibrada sem pender para lados, se atendo somente aos fatos, porém o roteiro deixa claro nos fracos diálogos carregados de frases de efeito que não soam críveis, que o grande problema do filme é não saber trazer apelo dramático nos momentos menores ou fazer seu elenco brilhar nos momentos mais decisivos da trama.

É claro que o longa não tem só pontos negativos, acredito que a produção e a ambientação, assim como a fotografia são um dos pontos altos da obra, mostrando um apreço em retratar os anos 60 de uma forma bastante eficiente e honesta. Em relação ao elenco, é complicado destacar alguém que tenha realmente sobressaído na narrativa, Seu Jorge (Cidade De Deus) no papel de Marighella não convence, eu gosto do ator na maioria de seus papéis, para mim ele é um dos atores negros mais importantes do cinema nacional, porém neste papel ele não funciona e está bastante apagado, sem falar que tem toda a polêmica da escalação de um negro retinto para fazer o papel de um personagem birracial, mostrando que o filme podia se aproveitar de uma melhor fidelidade de caracterização.

O elenco coadjuvante como eu havia dito, não é bem desenvolvido, personagens como: Bella (Bella Camero), Humberto (Humberto Carrão), Maria (Ana Paula Bouzas) e Jorge (Jorge Paz), funcionam apenas como peça de roteiro que no final das contas falta certa polidez para que possamos realmente importar com suas histórias. Luiz Carlos Vasconcelos (Aruanas) poderia ser um dos destaques, mas seu Almir mal aparece, assim como Herson Capri (Minha Mãe é Uma Peça) no papel de Jorge Salles.

Fonte: O2 Filmes e Globo Filmes

No geral, “Marighella” pode não ser um grande filme, mas com certeza vale ao menos ser assistido para lembrarmos o quão torpe e repressiva a Ditadura Militar era na caça a seus opositores e o quão era discrepante a luta daqueles que buscavam liberdade, daqueles que queriam torturar e matar quem não seguissem as regras do regime usando aparatos modernos de inteligência para sufocar e destruir qualquer vestígio de antagonismo que poderiam ter, levando a morte de estudantes, professores, jornalistas e intelectuais numa queima de arquivo que durou anos e ainda deixou uma sequela permanente em nossa sociedade.

Um longa feito para estrear em 2019 que demorou dois anos para ver a luz do dia (graças ao impedimento do governo brasileiro), sofreu boicote antes mesmo de ganhar sua exibição nos cinemas brasileiros na segunda metade deste ano, chega agora ao Globoplay com a chance de poder ser visto também pelo streaming, nos deixando ao menos na curiosidade de descobrir quem foi Marighella, uma pessoa que lutou para mostrar a verdade aos brasileiros, foi classificado injustamente como inimigo do estado, mas plantou semente da revolução mente de vários jovens brasileiros que futuramente ajudariam a derrubar o regime militar, olhando por esta ótica o longa dirigido por Wagner Moura sobressai os defeitos e se torna produto obrigatório na luta contra o fascismo.

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