Tenso e melancólico, este drama protagonizado por Lakeith Stanfield e Daniel Kaluuya segue uma linha mais linear, porém traz temáticas sobre lealdade, política e honra na luta pelos direitos civis numa narrativa intensa e marcante.
| 6 Indicações ao oscar 2021 Vencedor de 2 Oscars |
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| Incluindo |
| Melhor Ator Coadjuvante – Daniel Kaluuya |
| Melhor Canção – “Fight For You – H.E.R.” |

A história é implacável com covardes e traidores, isso é fato, as vezes punição pode até não vir de forma imediata, mas ela corrói a pessoa através da culpa ao longo do tempo. Digo isso porque esse é o principal assunto do longa de drama vencedor de dois oscars, “Judas e o Messias Negro” (Judas and the Black Messiah, 2021), que traz uma trama marcante, urgente e que toca na ferida e não poupa o expectador ao escancarar a forma suja como o governo norte americano lutava para aniquilar movimentos ativistas pelos direitos civis entre os anos 60 e 70.
O longa dirigido por Shaka King (High Maintenance) conta a história verídica de Bill O’Neal (Lakeith Stanfield) que se infiltra no grupo dos Panteras Negras sobre ordens do agente do FBI Mitchell (Jesse Clemons) e de J. Edgar Hoover (Martin Sheen) para se aproximar e colher informações sobre o líder dos ativistas Fred Hampton (Daniel Kaluuya) e assim destruir a organização que estavam agitando os protestos raciais contra policiais em Chicago.
A narrativa segue uma linha bastante linear, começando por situar o período em que história vai se passar, com um EUA ferido e sangrando principalmente nas comunidades negras, que neste período perderam dois dos grandes líderes na luta pelos direitos civis, o ativista pacifista Martin Luther King Jr. e o ativista extremista Malcolm X, ambos assassinados. Este período foi também marcado pela ascensão e influência política dos Panteras Negras nos movimentos negros e na luta contra repressão policial e outras injustiças socioeconômicas que praticamente sufocavam as minorias nas pequenas comunidades.
O longa não explora inteiramente a influência ampla desse grupo considerado radical pelo governo, talvez essa seja um dos grandes pecados do roteiro escrito a três mãos pelo próprio Shaka King, além de Will Berson (Scrubs) e Kenneth Lucas (It’s Personal with Amy Hoggart), pois tinha espaço para mostrar o quão grande era a mobilização dos Panteras e o quanto isso impactava o país, além de incomodar os grandes políticos da época.

Isso é uma escolha narrativa, o roteiro prefere ser mais íntimo e mostrar o grupo de uma forma mais interna, além de forcar nas figuras de O’Neal e Hampton numa história que tem como ponto forte o desejo de revolução representado por Fred e o desejo oportunista de Bill de subir na vida vendendo informações aos federais. Ao menos a trama se sai muito bem explorando esse aspecto, assim o drama se transforma num thriller urgente e com muito a dizer sobre movimentos ativistas e a repressão policial desenfreada resultando numa verdadeira guerra armada em Chicago.
A produção de “Judas e o Messias Negro” é impecável, seja na fotografia deslumbrante, passando pelos figurinos e a ambientação bem-feita, finalizando com a sólida direção de Shaka King. Porém não a dúvidas que o longa vale cada segundo devido ao seu elenco e principalmente por conta de três grandes performances que são cruciais para entender exatamente as intenções do filme e como ele cresce na forma como desenvolve a trama.
A primeira atuação é a do indicado ao oscar de melhor ator coadjuvante (deveria ser para Melhor Ator) para Lakeith Stanfield (Atlanta), seu Bill O’Neal é um cara oportunista, mas afogado pela culpa, mas que não mede esforços para conseguir algum status para subir na vida. Aqui Stanfield entrega uma atuação com personalidade, com carisma e emoção, tanto que você consegue entender as motivações do seu personagem claramente e o ator brilha ao conseguir trazer uma dualidade a um personagem que começa a entender e a se afeiçoar a Fred e os Panteras Negras, mas acaba preso numa teia conspiratória governamental que o obriga a cumprir sua palavra e fornecer informações que acabam por destruir a organização por dentro e aos poucos.

A segunda grande atuação do longa é a de Dominique Fishback (Power) no papel de Deborah Johnson, o lado civil do filme, a visão de fora de uma ativista que se apaixona pelo jeito e as ideias de Fred, assim como sua pessoa, mas que se mostra insegura à medida que seu relacionamento com ele toma proporções maiores. Fishback atua muito bem e com uma grande sensibilidade, além de conseguir ajudar a humanizar ainda mais a figura de Hampton, ela é apenas uma das figuras femininas fortes que dão base a causa do grupo.
A terceira e melhor atuação é a de Daniel Kaluuya (Corra!), que praticamente incorpora a figura de Fred Hampton, numa atuação avassaladora que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante ontem no Oscar, ele mostra carisma, força, equilíbrio e inteligência de um líder altruísta que pensava no bem de sua comunidade e que não media esforços para fazer alianças e recrutar novos jovens para sua causa, com uma oratória invejável capturada de forma primorosa por Kaluuya (o discurso final é marcante e um dos melhores momentos da história do cinema), Hampton se mostra uma figura politizada e que politiza todos a sua volta atraindo seguidores e outras minorias realmente incomodando as forças do governo.
O longa ainda conta com uma vasta seleção de coadjuvantes com atuações sólidas que ajudam a compor o elenco: Jesse Plemons (Breaking Bad) como o oficial Roy Mitchell, Asthon Sanders (Dias Sem Fim) como Jimmy Palmer, Algee Smith (Detroit Em Rebelião) como Jake Winters, Dominique Thorne (Se Rua Beale Falasse) como Judy Harmon e Martin Sheen (Gracie and Frankie) como o tenebroso J. Edgar Hoover (envolto em uma pilha de maquiagem que ficou bem estranha).

A primeira metade do filme é boa, mas a segunda metade é melhor devido à forte sequência final que fecha o terceiro ato, toda a construção do filme tem como objetivo passar pelos momentos mais decisivos da vida de Fred e do grupo Panteras Negras, quanto eles expandiram sua influência territorial nos distritos, em contraponto com a forte repressão de pessoas que deveriam proteger e guardar seus cidadãos, mas que os perseguiam e confrontavam numa luta desigual mostrando o pior da violência policial que ficava mais desenfreada e desleal durante o desenvolvimento da história numa clara perseguição racial.
Seguindo essa linha, este drama é mais atual do que se espera dele, afinal o assunto se passa no final dos anos 60, mas poderia se passar nos dias atuais facilmente, pois a luta em muitos aspectos é a mesma, a busca pelo direito das minorias a liberdade de expressão, a uma vida mais justa e igualitária, além de condições mais decentes principalmente para as comunidades periféricas dos EUA que sofrem com a fome e a forte discrepância social como um simples acesso ao serviço de saúde e educação decente. Era por isso que Fred Hampton lutava e o longa expõe isso de uma forma bastante emocionante e honesta mostrando esse líder comunitário que unia todas as tribos em uma causa só, até mesmo opositores. Isto torna todas ações de Bill O’Neal ainda mais deploráveis num contexto geral, ao se deixar manipular por dinheiro.
De uma forma geral “Judas e o Messias Negro” não tem medo de tocar na ferida e não tem medo de contar a história de duas pessoas opostas como Fred e Bill que ficaram marcadas por motivos diferentes na história norte americana. Com uma direção que privilegia uma narrativa mais tradicional e sem grandes pretensões, Shaka King consegue mesmo assim fazer uma trama intensa, envolvente e que não tem medo de escancarar a verdade sobre um sistema policial corrupto que sufoca as minorias quando estas se organizam, aqui o filme expõe os fatos e mostra que a história é implacável com a covardia dos algozes de Fred Hampton, que mesmo tendo um destino trágico aos 21 anos, vive na memória como um dos líderes negros mais importantes da história, porque você pode matar o revolucionário, mas não pode matar uma revolução, e esta continua firme devido ao legado que ele deixou.
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